Movimento-Pertencimento
Quando tudo explodiu, meus olhos estavam fechados.
Descobri algo sobre meu pertencimento.
Tinha certeza da minha baianidade. Era natural do oeste da Bahia, cidade de Barreiras, crescido em Salvador e transladado pra Porto Alegre.
Um dia meu pai me corrigiu: “na verdade, Gabriel, você já estava na barriga da sua mãe no Amapá, antes de voltarmos pra Bahia”.
E minha ficção mais resistente veio abaixo. O lugar da minha chegada foi um acidente.
Antes de eu abrir meus olhos, já estava me movendo.
Nunca passei muito tempo preso a uma casa, a um emprego ou a alguém. Sempre houve um novo acidente, uma explosão.
Aprendi que nenhuma ficção permanece.
Costumava ser intransigente ao movimento. Mover-se, contudo, esteve no meu nascimento, na maior parte da minha vida e está no meu futuro.
Não aprendi a sobreviver sem me mover. Demorava-me demais e o calor ressurgia. Num clima seco, a temperatura crescia. E começavam as faíscas. Pequenos estalos aqui e ali. Pensava sozinho: preciso ir.
Quando abri meus olhos, estava me movendo.
Foi assim que nasci e cresci: em meio às explosões. Hoje me recordo desses episódios e me pergunto: o que deixei? [o que deixarei?] E o que ficou de mim? [O que ficará de mim?]
Quando tudo explodiu, nada restou. [Quando tudo explodir, nada restará]. Apenas escombros e rostos desolados. Apenas silêncio.
É bem comum que as pessoas prefiram o silêncio.
Em algumas exceções, consegui deixar algo. Foi possível consertar as coisas.
Consertar é movimentar. Um reparo, ou uma gambiarra. As melhores coisas que fiz em vida foram consertos.
Mas meu imperativo é o movimento: sentir o fluxo, compreender o ritmo.
Senti o fluxo e compreendi o ritmo.
Antes de tudo explodir, fechei meus olhos.