Movimento-Pertencimento

Gabriel Gonzaga
2 min readMay 2, 2022

Quando tudo explodiu, meus olhos estavam fechados.

Descobri algo sobre meu pertencimento.

Tinha certeza da minha baianidade. Era natural do oeste da Bahia, cidade de Barreiras, crescido em Salvador e transladado pra Porto Alegre.

Um dia meu pai me corrigiu: “na verdade, Gabriel, você já estava na barriga da sua mãe no Amapá, antes de voltarmos pra Bahia”.

E minha ficção mais resistente veio abaixo. O lugar da minha chegada foi um acidente.

Antes de eu abrir meus olhos, já estava me movendo.

Nunca passei muito tempo preso a uma casa, a um emprego ou a alguém. Sempre houve um novo acidente, uma explosão.

Aprendi que nenhuma ficção permanece.

Costumava ser intransigente ao movimento. Mover-se, contudo, esteve no meu nascimento, na maior parte da minha vida e está no meu futuro.

Não aprendi a sobreviver sem me mover. Demorava-me demais e o calor ressurgia. Num clima seco, a temperatura crescia. E começavam as faíscas. Pequenos estalos aqui e ali. Pensava sozinho: preciso ir.

Quando abri meus olhos, estava me movendo.

Foi assim que nasci e cresci: em meio às explosões. Hoje me recordo desses episódios e me pergunto: o que deixei? [o que deixarei?] E o que ficou de mim? [O que ficará de mim?]

Quando tudo explodiu, nada restou. [Quando tudo explodir, nada restará]. Apenas escombros e rostos desolados. Apenas silêncio.

É bem comum que as pessoas prefiram o silêncio.

Em algumas exceções, consegui deixar algo. Foi possível consertar as coisas.

Consertar é movimentar. Um reparo, ou uma gambiarra. As melhores coisas que fiz em vida foram consertos.

Mas meu imperativo é o movimento: sentir o fluxo, compreender o ritmo.

Senti o fluxo e compreendi o ritmo.

Antes de tudo explodir, fechei meus olhos.

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