Março

Gabriel Gonzaga
3 min readMar 26, 2023

Escute só, isto é muito sério.

Não é verdade que as briófitas crescem na beira do asfalto pra nos salvar. Ontem choveu em Porto Alegre e eu escorreguei em uma delas. Caí de bunda no cocô de passarinho. Sorte minha que estava voltando pra casa, fora de compromissos. Fiquei sinceramente irritado lembrando de como você falava das plantas e das aves. Me senti enganado e com vontade de te enviar um boleto com vários dígitos apenas pra você perder tempo.

Preste atenção.

Um dia uma pessoa simplesmente desapareceu. Ela deveria ter escrito, enviado um áudio ou reagido a algum dos meus stories. Ela não fez nada disso e se foi como um detalhe carregado pelo vento do outono. (Você deve ter notado esse calor imprevisível. Lembrei do seu tema de pesquisa e da sua versão acadêmica se debatendo com todas as suas outras personalidades). Ela sumiu, e eu quase a agradeci por não retornar mais. A encontrei dias atrás e vislumbrei a expectativa que não se expandiu. Não explodiu com nada, como as coisas explodiram quando você surgiu vestindo um casaco velho azul. Podia ter acontecido tudo de novo, ou talvez nada mais aconteça.

Estou sóbrio pela primeira vez essa semana, e escrevo algo meu depois de tudo que vivi ano passado. As coisas pra mim tem sido assim, elas passam torrente sem que nada mude. Acho que isso significa ser adulto. Sei que tínhamos concepções diferentes sobre esse negócio chamado amadurecer. Mudei de ideia várias e várias vezes, e ainda acredito que é preciso o mínimo de controle. Nunca falei que gostaria de pegar uma mochila e pedir carona pra patagônia? Descer ao sul do sul, como uma amiga escreveu. Ao invés disso, me tornei funcionário público. Tenho responsabilidades, dívidas, família, vizinhos, amantes, assinaturas de streaming, amigos, reputação, prazos, cartão de crédito, psicóloga, consultas clínicas e um cachorro ansioso do qual sinto sempre muitas saudades.

Existem muitas razões pra alguém fugir, nenhuma delas me importa. E eu entendo todas. Hoje fui almoçar com umas amigas e senti aquele ímpeto de disparar correndo pro lado oposto. Você também sentia isso, falava sobre os monstros que enxergava pelas ruas, sobre as cores flutuando e se desarrumando pela paisagem. Por que nunca corremos juntos? Essa sempre foi a melhor resposta. Sei que insisti no contrário. Quis ser alguém respeitado. Acreditei que poderia ser algo importante pras crianças. É ridículo o quanto sou impotente, como você deve ter imaginado. Só sei dizer algumas palavras. Palavras que sinto que estou perdendo.

Agora estou em perigo, graças a Deus. Descobri algo melhor do que a desvenlafaxina. Saio muitas vezes de casa, a maioria delas sozinho, a maioria delas sem informação, sem meu celular. (Queria que esse aparelho me sugasse pra outra dimensão). Descobri a noite. Eu não durmo mais, eu caminho nessa avenida. Vê-la amanhecer é a parte mais bonita dessa dor. Vago a madrugada e antes das sete estou em casa. Acredita nisso? Logo eu que prezava tanto me demorar na cama mesmo sabendo das datas e das horas. Meu sono era muito pesado.

Tudo isso é verdade, mas apenas a metade é mentira. Você soube que Lula venceu? Essas notícias chegam na sua internet? Não vi você postar nada.

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